quarta-feira, 14 de fevereiro de 2007

Drummond

Nesta minha primeira postagem, trago para vocês um poema de Drumond. A beleza desse poema não está apenas nos versos de nosso poeta, mas também a quem ele o dedica. Drumond fala da beleza das fotografias de um fotógrafo a quem é intitulado o poema. Fotógrafo esse que me orgulho de conhecer e de chamar de tio, e que mesmo longe e mesmo diante dos conflitos continuo a amar e admirar. O poema:

Diante das Fotos de Evandro Teixeira
Carlos Drummond de Andrade

A pessoa, o lugar, o objeto
estão expostos e escondidos
ao mesmo tempo só a luz,
e dois olhos não são bastantes
para captar o que se oculta
no rápido florir de um gesto.


É preciso que a lente mágica
enriqueça a visão humana
e do real de cada coisa
um mais seco real extraia
para que penetremos fundo
no puro enigma das figuras.

Fotografia - é o codinome
da mais aguda percepção
que a nós mesmos nos vai mostrando
e da evanescência de tudo,
edifica uma permanência,
cristal do tempo no papel.

Das luas de rua no Rio
em 68, que nos resta
mais positivo, mais queimante
do que as fotos acusadoras,
tão vivas hoje como então,
a lembrar como a exorcizar?

Marcas de enchente e do despejo,
o cadáver insepultável,
o colchão atirado ao vento,
a lodosa, podre favela,
o mendigo de Nova York
a moça em flor no Jóquei Clube,

Garrincha e nureyev, dança
de dois destinos, mães-de-santo
na praia-templo de Ipanema,
a dama estranha de Ouro Preto,
a dor da América Latina,
mitos não são, pois são fotos.

Fotografia: arma de amor,
de justiça e conhecimento,
pelas sete partes do mundo
a viajar, a surpreender
a tormentosa vida do homem
e a esperança a brotar das cinzas.

( in "Amar se aprende amando")

http://www.evandroteixeira.net


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