terça-feira, 20 de março de 2007

Desabafo de uma sobrevivente

Difícil não é só compor um poema como ilustrado abaixo por Drumonnd. Difícil é encontrar a razão nos dias de hoje. Razão do porquê de tanta coisa ruim e para tamanha falta de amor - palavra riscada dos dicionários.
Procurem lá no Aurélio;
amor: Sentimento que predispõe alguém a desejar o bem de outrem.
Sentimento? Bem? Outrem? Não há sentimento, o mundo esta frio, congelou com o bem e deve pertencer seguramente a outrem.
Vivemos em uma nova era glacial onde o único gelo real esta derretendo, mas não de amor e sim pela falta dele. Somos todos sobreviventes desta guerra indeclarada (sei que não existe a palavra, mas foi a melhor que encontrei). Até quando?

O SOBREVIVENTE

Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema - uma linha que seja - de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.

Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.

Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta
muito para atingirmos um nível razoável de
cultura. Mas até lá, felizmente, estarei morto.

Os homens não melhoram
e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.

(Desconfio que escrevi um poema.)

Carlos Drummond de Andrade

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